20 Se
morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no
mundo, vos sujeitas a ordenanças: 21 não manuseies isto, não proves
aquilo, não toques aquiloutro 22 segundo os preceitos e doutrinas
dos homens?
É uma pergunta em forma de
repreensão.
A ideia é a de que, se morremos
em Jesus (e fomos por este fomos libertos), como voltar a se escravizar por
determinados tipos de ordenanças criados pelos homens?
Se Jesus cancelou o escrito de
dívida contra nós por conta de uma lei verdadeiramente dada por Deus,
encravando na cruz, como poderiam os cristãos agora se deixarem escravizar por
uma “lei” humana?
“Não manuseies, não
toque, não prove”. Não sabemos com certeza que regras Paulo estava se
referindo. Alguns exemplos possíveis:
- se abster de certos tipos de comida (talvez totalmente
de carne);
- se abster de certos tipos de bebida;
- formas específicas de se vestir;
- evitar contato com determinadas pessoas;
- evitar casamento;
- formas rigorosas de jejum;
“Segundo os preceitos e
doutrinas dados pelo homem” retoma o pensamento dado em Mc 7.6-7 e Mt 18.8-9,
que por sua vez remontam a Isaías 29.13. O problema maior dessas regras não são
por elas em si, mas pelo fato de tornarem a adoração a Deus inútil, bem como
impedirem que se cumpram os verdadeiros mandamentos do Senhor.
“Pois todas essas coisas, com o
uso se destroem”. Invoca o perecimento de qualquer coisa manuseada (ou não)
nesse nosso plano de existência, notadamente a questão alimentar. Se destroem,
pois, como disse o nosso Senhor, “entra pela boca, passa pelo estômago e é descarregado
na latrina” (Mt 15.9). Notem a simplicidade e a clareza do ensino de Jesus
acerca disso! Ou seja, comer ou não comer, beber ou não beber, não faz de
ninguém melhor ou pior. Conforme Rm 14.7, se abster ou comer, desfrutar ou não,
nenhuma diferença faz para a piedade cristã.
Uma grande tentação do rigorismo
ascético é achar que, por cumprir tais coisas, alguém se faz mais agradável a
Deus. Pode-se chegar também ao ponto de começar a julgar aqueles que não
guardam tais preceitos como pessoas inferiores. Para a soteriologia neo
testamentária, o pior ainda é que, geralmente tais tendências ascéticas
costumam se arrogar com a possibilidade de se chegar a patamares maiores de
espiritualidade, mesmo desprezando a mediação de Cristo. É mais uma tentativa
de se chegar a Deus por esforços próprios.
23 Tais
coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de
falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não tem valor alguma contra a
sensualidade.
“Aparência de sabedoria”: essas
complexas regras ascéticas podem dar a impressão de serem coisa sábia mesmo, de
gente entendida no assunto. Há uma certa atração mundana por tais questões. As
pessoas olham e chamam tais atos de espirituais, interessantes, etc.
” como culto de si mesmo, e de falsa
humildade, e de rigor ascético”: esse rigor ascético, essa quantidade de regras
acaba gerando justamente o efeito oposto, qual seja, ao invés de culto a Deus,
acaba se tornando um culto de si mesmo. É algo do tipo: a pessoa cria umas
regras, cumpre essas regras, e se acha o bom. E diz que os que não cumprem tais
regras não são bons. É falsa humildade, porque, o cumprimento dessas regras dá
uma aparência de humildade religiosa, mas tal humildade é falsa, pois ele
entende que está se tornando mais espiritual, mais entendido que os demais.
“não tem valor algum contra a
sensualidade”: por se tratarem somente de regras e aparências externas, não
combate devidamente a carne. Tal pessoa segue essas regras pela carne, vive
pela carne, e continua sendo carnal.
“Em resumo: a acusação de Paulo é
que esta ‘piedade’ religiosa era passível de ser abusada. Ostensivamente,
empreendia a promoção dos mais altos interesses espirituais do devoto, mas o
fazia de tal modo que servia somente para fazer dele um homem orgulhoso.
Explorava seu amor ao conhecimento secreto; alegava oferecer-lhe a chave ao
enigma de Deus e do universo; convidava-o a explorar o segredo do destino por
meio de aplacar os ‘espíritos elementares’ e de venerar as hostes angelicais; prometia
uma recompensa a um regime de disciplina, de jejuns e de mortificação de si
mesmo; o recebimento de visões de coisas celestiais, verdadeiras ‘realidades’
além do mundo da matéria e da percepção dos sentidos; dava-lhe um senso de
domínio-próprio que o colocava à parte doutros homens que eram subjugados pro
suas tentações e vícios. Tudo isso, Paulo objeta abertamente, é apenas ‘vãs
sutilezas’ (2.4). Quanto ao seu sucesso nos seus alvos declarados, deixa de
manter a ‘carne’ sob controle. Pelo contrário, promove um espírito egoísta e
insensato que alega ter uma experiência particular que está aberta apenas a
umas poucas pessoas selecionadas” (MARTIN, Ralph P. Colossenses e Filemon, p. 111).
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